30.3.09

Especulações sobre o espelho mágico

1. O espelho era usado para investigar onde estavam “todas as coisas escondidas”.

2. O conto tem como recurso de linguagem a personificação, figura de linguagem em que há a atribuição de aspectos humanos a seres não humanos (animais, seres inanimados, ideias, entidades abstratas).
Formiga, carneiro, peixe, gavião foram os animais que ajudaram o rapaz. Além de estarem associados a espaços diferentes – terra, água e ar –, os animais representam simbolicamente ações, emoções e qualidades do ser humano.
A formiga representa os instintos e a atividade permanente. O carneiro está associado ao poder masculino e à inocência. O peixe relaciona-se à oposição entre bem e mal e à renovação interior, por meio de um acesso ao inconsciente. O pássaro simboliza a experiência de transcendência, de separação entre corpo e alma.

3. O rapaz não pede ajuda para a formiga inicialmente, talvez por ele ter suposto que ela não poderia escondê-lo por ser um animal tão pequeno e frágil.

4.O rapaz não tinha laços familiares nem dinheiro, portanto não tinha nada a perder se não fosse bem-sucedido no desafio que a princesa propunha. Outro ponto que merece destaque é o fato de o rapaz ser qualificado como uma pessoa que tinha um bom coração, que confia e acredita na bondade.


Aprofundamentos
1. Coragem, confiança, paciência.

2. “Tanto olhou e olhou que enxergou um pontinho escuro por cima das nuvens. Botou reparo e descobriu tudo.”
“… com tanto cuidado que descobriu onde o rapaz estava dormindo.”

3. O contador pode contar o conto em qualquer lugar onde vá e os ouvintes poderão se identificar com a narrativa.

4. Tem-se a impressão que o rapaz vai perdendo a confiança no sucesso – na segunda situação reconhece a dificuldade e na terceira já está agoniado.

5. Ela dá uma chance por ter tido empatia com o rapaz, por querer que ele fosse bem-sucedido em resolver o desafio.

6. O espelho de Hanói deve ser claro e brilhante como os elementos da natureza para refletir o interior, os sentimentos secretos. No caso do conto, a princesa consegue ver no alto do céu, na água profunda e dentro da caverna, consegue enxergar em locais distantes e trazer à luz o que está escondido com a ajuda do espelho, mas ela não consegue olhar para dentro de si. O leitor pode supor que ela não está amadurecida para essa visão interior, para revelar seus sentimentos íntimos.

7. O mais interessante foi ele ter ficado dentro do tubarão e dentro da baleia no fundo do mar, já que a água está ligada a um mergulho nas origens, a um recomeço.

8. A princesa não precisou mais recorrer ao espelho, pois ele a ajudava a achar o que estava escondido, o que estava encoberto; como o rapaz tinha um bom coração e era sincero, não haveria mais o que estive escondido e precisasse ser revelado, pois ele a ajudaria a descobrir a si mesma por meio do amor.

18.3.09

Sem ler não respiro

Minhas lembranças sobre a leitura são fragmentadas. As mais antigas são dos contos da coleção Disquinho tocando na vitrola. Patinho Feio e Branca de Neve narrados por vozes empostadas tomavam conta do pequeno apartamento térreo em Ipanema - o meu preferido era A festa no céu.

Gostava de ouvir minha avó contando como era a vida dela quando criança. Queria saber como eram os lugares, o que ela fazia, todos os detalhes do dia-a-dia, a comida, o banho, o que ela lia. Lembro de um livrinho de orações com capa de madrepérola, que ficava ao lado de sua cama, gostava de folhear as páginas fininhas, quase transparentes. O objeto me interessava muito mais do que seu conteúdo.

Eu lia os textos de embalagens de todo tipo, durante o café da manhã, no banho. Cartazes na rua, out-doors.

A enciclopédia Delta Larousse ocupava um lugar acessível na estante de minha mãe. Aos 10 anos, sentava lá às tardes e ficava lendo aleatoriamente todo tipo de informação.

Minha avó havia feito encadernação, mas depois abandonou a atividade, sem explicar o motivo. No seu quarto ficavam os livros que ela havia encadernado, capas de couro e letras douradas. Ela adorava poesia. Eu tinha especial apreço por uma edição do livro de Cecília Meirelles Ou isto ou aquilo. Ilustrado por xilogravuras em papéis coloridos, tinha o formato comprido, vertical.

Passava um tempão conversando com Paulina, a cozinheira, natural de Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai. Aquele lugar me fascinava - a distância, os gaúchos, o mate, o frio, a névoa da manhã. Adorava quando ela me convidava para escrever as cartas para a família, era como se um pouco de mim fosse para lá.

No início da adolescência, tornei-me sócia do Círculo do Livro, um tipo de Avon da literatura adaptada para jovens, com clássicos ilustrados. Todo mês eu escolhia e encomendava um livro a um vendedor que vinha em casa. Quando chegava o livro, cada momento era um prazer. Abrir a embalagem, folhear, ver os desenhos, e só então iniciar a leitura.

Aos 12, reinvidiquei autonomia e passei a ir sozinha para a escola e pelo bairro de Copacabana, para onde nos mudamos após a separação dos meus pais. A biblioteca do bairro foi minha grande companheira nessa etapa - fazia lições, pesquisas, ficava por lá horas, fuçando as prateleiras.

3.3.09

Wordia

É um dicionário falado online. Os verbetes são postados em vídeo e mostram o significado que a palavra tem para a pessoa que a publicou no site. Do lado direito, há a definição de dicionário; palavras que têm mesmo campo lexical; o perfil da pessoa que a enviou. Você pode buscar uma palavra, ver as palavras mais recentes e as mais procuradas, buscar pelo nome da pessoa que publicou, ver a palavra do dia e recebê-la no seu e-mail. Os autores são identificados por fotos e biografias. O design é simples e bonito. Deem uma olhada: wordia. Dá vontade de fazer um em português.

A odisséia de Drummond


O amor, apesar de ser individualizado no conto, é um substantivo que representa algo que é de conhecimento comum e com ele convivem seres indefinidos representados por "quem", sujeito indeterminado (cercaram/arrancaram-lhe), "todos", "ninguém". Isso traz uma generalização, cujo efeito é fazer com que o leitor se veja como parte desse todo.
Não deixei de pensar nos deuses gregos, que representavam elementos da trajetória humana no mundo, como Eros, Artemis, Apolo.
Entre os elementos coesivos, o autor usa "e" e vírgulas, criando um ritmo ágil, que lembra a fala.
O conto lembra também textos religiosos, como a parábola, em que há um caráter educativo na narrativa. E menciona o texto bíblico que diz que Jesus ressuscitou no terceiro dia.
Há neste conto estruturas estabelecidas e um tema corrente na literatura [amor] misturados a fatos contemporâneos - a tentativa de eliminá-lo pela violência, com métodos usados durante a ditadura militar. É interessante a menção ao lugar escolhido para isolá-lo - além da memória, considerando que as narrativas orais às quais o texto se liga são transmitidas/herdadas graças à memorização.
O amor permaneceu vivo na memória, pelo fato de todos falarem nele, de ele ser um desejo compartilhado. Talvez tenha havido no momento em que o conto foi produzido falta de espaço para o amor realizar-se materialmente, apenas no imaginário, nas rimas, nos sonhos ele poderia existir. O amor era um porvir.

O amor foi à função

O conto de Drummond é construído com referências a outros textos e esquemas narrativos. A intertextualidade começa no título. As peripécias do personagem amor foram intituladas de "Odisséia", como o poema épico grego que conta a viagem de Odisseu [que durou dez anos] de volta à sua casa após a Guerra de Tróia. O nome do poema, composto no século VII a.C. e transmitido oralmente, tornou-se sinônimo para trajetórias cheias de aventuras e percalços.
Há semelhança com o conto de tradição oral, geralmente estruturado com uma sequência de ações vividas pelo personagem principal. No caso de amor, o personagem vive acontecimentos incomuns, extraordinários, como os heróis da Grécia antiga, os quais ele supera com força sobre-humana.
No primeira linha, há o diálogo com o "Poema tirado de uma notícia de jornal" de Bandeira, cujo personagem João Gostoso "bebeu, cantou, dançou", mas no fim se jogou na Lagoa Rodrigo de Freitas. Há nesse poema uma trajetória do anonimato à notoriedade, alcançada apenas com a morte noticiada no jornal por ter ocorrido num lugar considerado "cartão-postal" da cidade do Rio ao contrário do lugar onde morava João, o Morro da Babilônia. O herói urbano não consegue ultrapassar as dificuldades colocadas por sua vida comum, ao contrário do amor.
O conto expressa bem o que Alfredo Bosi disse sobre os textos serem gerados pela "percepção singular das coisas e cadências estilísticas herdadas no trato com pessoas e livros". Assim como o leitor vê o texto através da perspectiva social e cultural e da sua leitura afetiva.