28.5.09

Resenha de "Os fatores do desenvolvimento mental"

Em Os fatores do desenvolvimento mental, Jean Piaget afirma que o desenvolvimento mental da criança decorre de um processo que se inicia com as operações sensório-motoras, as quais estruturam as ações; tem continuidade nas representações semióticas e nas conexões interindividuais, que estruturam a representação; e prossegue nas operações concretas, que estruturam a cooperação; até chegar às operações formais.
Piaget reconhece que a maturação orgânica, o ambiente físico e social têm um papel no crescimento mental, mas que, isoladamente, são insuficientes para explicar o desenvolvimento das grandes estruturas operatórias. Ele ressalta que, quanto mais as aquisições se afastam das origens sensório-motoras, tanto mais variável é o momento em que aparecem, o que apontaria para a influência do ambiente físico e social, ao lado do desenvolvimento orgânico. O papel da experiência, tanto a da ação direta sobre os objetos como a que vem da coordenação de ações, também é importante, segundo Piaget, porém assim como as interações e transmissões sociais, sozinha não explica o desenvolvimento mental.
O que podemos observar como constante é a ordem dos estágios e o fato de que cada estágio prepara o seguinte e integra-se a ele. Há uma sequência entre os estágios, que pode ser percebida pelas construções mentais realizadas em cada um deles e também nas transições entre os estágios. Cada novo conhecimento está vinculado ao que já foi anteriormente assimilado e acomodado nos estágios precedentes.
O processo se autoregula em função dos desafios enfrentados pela criança no ambiente e na sociedade. Esses desafios desestabilizam os conhecimentos que já a criança tem e ela precisa reconstruir suas estruturas mentais para adaptar-se.
O Piaget pesquisador não é fácil de ser assimilado e acomodado, uma vez que o estilo do Piaget escritor é baseado em avanços e retrocessos, assim como sua descrição do desenvolvimento mental. O leitor demora para acompanhar sua linha de pensamento e dar-lhe um sentido. Será que consegui depois de ler quatro vezes o texto? Tenho dúvida...
Piaget foca o que acontece internamente nas crianças para alcançar o pensamento formal; ele considera importantes o amadurecimento orgânico, as relações sociais e as interações com o ambiente físico, mas não descreve sua influência nesse processo; o que senti falta para compreender essas relações.
O lugar das emoções e dos afetos também ficou um pouco desfocado para mim, ainda preciso ter mais contato com esse ponto de vista para compreendê-lo. Não entendi o conceito de reversibilidade que Piaget menciona neste ponto do texto. Piaget diz que afeto e cognição são inseparáveis, que nenhum comportamento prescinde de fatores afetivos e que não poderia haver afetividade sem a estrutura cognitiva. Ambos estão sujeitos à maturação, são processos contínuos que transformam-se durante a vida e por meio das interações sociais e o aspecto essencial é que funcionam segundo mecanismos de equilíbrio por autoregulação.

26.5.09

Comentário 2 sobre Foucault

Hoje eu ia fazer um comentário e perguntas sobre o texto na aula, mas acabei recuando. Fiquei no movimento pendular entre o incentivo ao comentário no site e a declaração da prof. Márcia de que ela não se aventurava a criticá-lo. Mas lá vai, se não for pertinente, pelo menos estou tentando.
Na conferência, Foucault considera apenas os textos científicos e literários como textos que têm autor. Os discursos cotidianos não estariam nesse grupo. Fiquei pensando em como os posicionamentos valorativos estão presentes em todos os tipos de discurso e como determinam as escolhas linguisticas que configuram um estilo do autor. Não ficou clara para mim a separação que Foucault menciona entre textos que têm autor e textos que não têm autor.
Outro ponto que suscitou dúvida foi a ausência do leitor de sua linha de pensamento. Alguém achou alguma referência a isso no texto dele?
Será que a noção de transdiscursividade que Foucault aponta tem alguma intersecção com a de dialogia de Bakhtin? Separei estas duas citações para poder pensar sobre isso:
"Ora, é fácil ver que, na ordem do discurso, pode-se ser o autor de bem mais que um livro - de uma teoria, de uma tradição, de uma disciplina dentro das quais outros livros, e outros autores poderão, por sua vez, se colocar. Eu diria, finalmente, que esses autores se encontram em uma posição 'transdiscursiva'" (FOUCAULT, 2006, p. 280).
"[...] a situação transdiscursiva na qual se encontram autores como Platão e Aristóteles a partir do momento em que eles começaram a escrever até a Renascença deve poder ser analisada; a maneira como eles eram citados, como se referia a eles, como eram interpretados, como se restaurava a autenticidade de seus textos etc., tudo isso obedece certamente a um sistema de funcionamento. [...] seria preciso descrever o que é essa transdiscursividade moderna, em oposição à transdiscursividade antiga" (FOUCAULT, 2006, p. 295).

25.5.09

Bakhtin por Carlos Faraco

As reflexões sobre autor e autoria de Bakhtin foram organizadas por Carlos Alberto Faraco nos seguintes pontos:
• oposição entre autor-pessoa e autor-criador: Bakhtin distingue o autor-pessoa do autor-criador, elemento pertencente à obra, que estabelece um posicionamento valorativo em relação aos personagens. "Bakhtin caracteriza o autor-criador como a voz social que dá unidade ao todo artístico" (FARACO, 2005, p. 41).
• a noção de valor: "a grande força que move o universo das práticas culturais são precisamente as posições socioavaliativas postas numa dinâmica de múltiplas interrelações responsivas" (FARACO, 2005, p.38). Os valores da realidade são transpostos para o plano de valores estabelecido na obra; certos aspectos da realidade são focalizados e reorganizados pelo autor-criador, que estabelece uma nova unidade de valores.
• o duplo movimento de reflexão e refração da realidade na obra, que se caracteriza como um "deslocamento no plano da linguagem" (FARACO, 2005, p. 40), entendida como o conjunto heterogêneo dos discursos, em que o autor-pessoa "direciona todas as palavras para vozes alheias e entrega a construção do todo artístico a uma certa voz" [o autor-criador] (FARACO, 2005, p.40).

Bakhtin chama esse deslocamento necessário de princípio da exterioridade - o olhar de fora exige que o autor-pessoa saia de sua linguagem ao mesmo tempo em que recria outra linguagem para representar o mundo.

Na menção à autobiografia como um discurso em que o autor-pessoa precisa determinar uma posição de valoração em relação à própria vida, a comparação com a autocontemplação no espelho é bastante esclarecedora. Ele cita que, para Bakhtin, o que fazemos em frente ao espelho "é nos projetarmos num possível outro peculiarmente indeterminado" (FARACO, 2005, p. 43). Bakhtin destaca a complexidade da autocontemplação, na qual não há fusão do olhar exterior com o interior: vê-se a si mesmo com os olhos do mundo – está-se "possuído pelo outro" (FARACO, 2005, p. 43). A essa noção contribui o conceito de alteridade pelo qual, de acordo com Bakhtin, deve-se passar pela consciência do outro para se constituir.

Comentário sobre Foucault - O que é um Autor?


Foucault apresenta considerações sobre a noção de autor a partir da relação texto–autor. Ao definir a escrita, nos diz que ela é vista [naquele momento] como um "jogo de signos comandado menos por seu conteúdo significado do que pela própria natureza significante" (FOUCAULT, 2006, p.268), cuja regularidade está constantemente sendo transgredida, nesse espaço onde o sujeito que escreve desaparece. A diluição do papel autor na escrita, defende Foucault, parece ser uma regra que jamais é aplicada de fato, uma regra que coordena a prática, mas não transparece no resultado.
O filósofo francês menciona duas noções que põem em dúvida essa nova definição do papel do autor: a noção de obra e a noção de escrita. Assinala a dificuldade de definir o que seria obra independentemente da noção de autor e afirma que a noção de escrita ainda preserva a noção de autor. A necessidade de analisar as características gerais dos textos não estaria criando um "anonimato transcendental"?, pergunta-se Foucault (2006, p.270). Essa "neutralização", segundo ele, forjaria ela própria uma representação da figura do autor, caberia descobrir o espaço vazio abandonado pelo autor.
Foucault chama a atenção para o fato de o nome do autor ultrapassar seu significado como elemento textual. Seu papel vai além: possibilita que o texto seja identificado com outros textos do mesmo autor e de outros autores. O que ele chama de "função autor" dá ao texto um caráter que o distingue dos discursos cotidianos – uma configuração, uma circulação e um funcionamento próprios.
Os textos de autor têm as seguintes características:
1. apropriação – a nomeação da propriedade do texto tem uma relação direta com a possibilidade de este ser passível de punição por suas transgressões. A identificação da autoria possibilita a punição do autor. Ao ser inserido no sistema de propriedade da sociedade burguesa, segundo o filósofo, o autor busca a transgressão como forma de reinserir o ato da escrita num movimento de oposição sagrado/profano; lícito/ilícito; religioso/profano.
2. atribuição – a atribuição de autoria é inconstante. Os textos científicos eram considerados verdadeiros quando vinculados a um autor; atualmente a autoria não é mais fundamental para os validar, pois são veiculados em publicações que os garantem. Os textos literários ao contrário tinham seu valor associado a sua antiguidade sem ligação com um autor e atualmente não podem ser desvinculados do autor para terem valor.
3. autenticidade – o autor é um ser projetado a partir dos traços inscritos no texto, das relações de pertinência ou exclusão que estabelece com outros textos e autores, em função do tempo e dos tipos de textos. Foucault afirma que a identificação do autor feita pela crítica literária se parecia com a exegese de textos cristãos, em que o valor do texto é dado pelo valor do autor – são as particularidades do autor que explicam as características do texto. Para ele, a "função autor" não se obtém apenas pelas inscrições textuais, já que estas não remetem diretamente ao autor, mas a um "alter ego cuja distância em relação ao escritor pode ser maior ou menor e variar ao longo mesmo da obra" (FOUCAULT, 2006, p.279) – a função autor estaria na própria cisão entre o escritor real e o narrador [esta idéia é bastante interessante e eu gostaria de entender melhor]. Ele delimita ainda um tipo de autor diferente dos autores de textos literários, os quais chama de "fundadores da discursividade" (FOUCAULT, 2006, p. 280). Esses autores criaram as possibilidades de formação de outros textos, que vão na mesma direção de seus textos e também que se opõem a eles.
Como conclusão da sua linha de pensamento, o filósofo coloca o fato de a função autor estar ligada aos sistemas sociais que articulam os discursos - ela não se dá homogeneamente em todos os discursos, em todas as épocas e lugares.
Foucault aponta para a análise histórica dos discursos como um caminho para observar o autor como uma das propriedades discursivas, além de seus valores expressivos e formais, para analisá-lo como uma função variável: "os modos de circulação, de valorização, de atribuição, de apropriação dos discursos variam de acordo com cada cultura e se modificam no interior de cada uma; a maneira com que eles se articulam nas relações sociais se decifra de modo, parece-me, mais direto no jogo da função autor [...] do que nos temas ou nos conceitos que operam" (FOUCAULT, 2006, p. 286).

Sobre Michel Foucault:
biografia na Universidade de Stanford
biografia na Wikipédia
Centro Michel Foucault

10.5.09

Comentário sobre "A morte do autor"


Que voz é essa que fala ao leitor em um texto ficcional? Considerando que uma obra literária tem sua origem na figura do autor, a resposta de Barthes surpreende: a escritura é a destruição de toda voz, de toda origem de um texto.
O semioticista francês nos mostra que o autor se desfaz na tessitura textual. Quem fala é a própria linguagem. Considerando-se que a linguagem é um todo múltiplo, constituído de enunciados de tantas origens, de tantas enunciações, que não são mais que citações, o autor deixa de ser o criador de um texto original. Buscar um sentido final para o texto não é mais, portanto, uma necessidade. "O espaço da escritura deve ser percorrido, e não penetrado" (BARTHES, 1988/2004, p.63), pois o sentido não tem fim.
O exemplo da ambiguidade constitutiva da tragédia grega, revelada pelos estudos de Vernant, é uma belíssima ilustração, que nos mostra que o decifrador da multiplicidade de sentidos, desse "perpétuo mal-entendido" (BARTHES, 1988/2004, p. 64), onde se dão encontros e embates, é o leitor.
Até aqui tudo bem. Percorrer o enunciado do autor é também trilhar os enunciados que o constituem, e que revelam o autor escondido, diluído na linguagem. Informações sobre o contexto de produção, sobre o passado e ideologia do autor são dados enriquecedores, mas não são condicionantes para a compreensão do texto acontecer. Mas não ficou claro quando Barthes diz que o leitor abarca toda a multiplicidade, sem que nada se perca, que reúne todos os traços de que é constituído o texto. Para mim, o leitor não é um ser totalizante, mas fragmentado, sua visão é virtualmente completa, mas a realização é fragmentada. O todo nunca é apreendido até porque o sentido não se esgota a cada leitura. Parece-me que esse estranhamento pode ser devido ao fato de o estruturalismo tentar descobrir elementos gerais. Barthes quer descobrir o Autor e o Leitor, seres genéricos, que representem o conjunto de individualidades. No entanto, a literatura é formada pelas especificidades que ocorrem tanto na produção, pelo autor, como na recepção, pelo leitor.