25.6.09

A formação social da mente - cap. 6

Na introdução deste capítulo, Vygotsky compara três concepções da relação entre desenvolvimento e aprendizado correntes na época:
• os processos de desenvolvimento são independentes do aprendizado - o aprendizado utiliza os avanços do desenvolvimento, ou seja, cada etapa de desenvolvimento determina um tipo de aprendizado. Os ciclos de desenvolvimento precedem os de aprendizado.
• aprendizado é desenvolvimento - o desenvolvimento é o domínio de reflexos condicionados. Aprendizado e desenvolvimento coincidem.
• O desenvolvimento depende da maturação e do aprendizado, que é também um processo de desenvolvimento.
A esses três pontos de vista, Vygostksy contrapõe outro em que afirma que "aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança" (VYGOSTSKY, 2007, p.95), mas que o "aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança" (VYGOSTSKY, 2007, p.95). Vygostky estabelece um novo conceito para descrever esse aspecto do aprendizado: a zona de desenvolvimento proximal.
Segundo ele, não podemos nos limitar apenas à determinação de níveis de desenvolvimento para identificar as relações entre aprendizado e desenvolvimento. É no espaço entre o que a criança já sabe fazer por si mesma ou os ciclos de desenvolvimento já completados – que chamou de o nível de desenvolvimento real – e o que a criança consegue fazer e conhecer com o auxílio de outras pessoas – nível de desenvolvimento potencial – que está a zona de desenvolvimento proximal.
"A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação", diz Vygostky (2008, p.98), "(...) permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação" (2008, p. 98).
Sua conclusão mostra que o aprendizado leva a processo internos de desenvolvimento que tornam-se operatórios apenas quando a criança interage com adultos e com outras crianças, só então tornam-se aquisições do desenvolvimento independente. Somente o aprendizado escolar leva ao desenvolvimento de processos mentais que dificilmente ocorreriam de outra forma. O desenvolvimento, portanto, avança mais lentamente e por meio do aprendizado.

24.6.09

O processo de produção de textos - Flower e Hayes 2

O processo de produção de textos, como foi observado pela dupla de pesquisadores, é um conjunto de processos distintos, em vez de ser um processo único. Esse processo é determinado por objetivos que são definidos inicialmente e redefinidos ao longo da composição do texto.
Essa pesquisa mostra que os pressupostos com que costumo trabalhar nas aulas de produção de texto partem de uma estrutura linear - planejamento, escrita, revisão –, o que não ocorre nos processos cognitivos do estudante. Como diz Fortunato (2009), "essa descrição focaliza o produto, não o escritor".
AhÁ! Estou repensando minha prática. Mas ainda tenho muitas dúvidas.
O planejamento inicial está vinculado às características do gênero e ao conhecimento que se tem do tema. Nem sempre ele é feito. Se a estrutura do gênero é conhecida, o planejamento se volta para o assunto e os conhecimentos que o escritor tem dele. Nesse ponto, acho que eu poderia organizar o planejamento dos conhecimentos prévios melhor. Ir além da discussão sobre o tema e da escrita na lousa. Alguém de vocês usa o mapa conceitual nessa etapa?
Chamou a atenção a afirmação de que o escritor precisa querer resolver o problema para poder definir os elementos que irão responder à questão que se coloca com a escrita do texto. Esse ponto é vital na aula, mas não havia percebido tão claramente. A motivação para escrever... ufa! Trabalhar com um projeto tem ajudado.
Acho que os gêneros ajudam também na memória de longo prazo. Pude perceber a felicidade em alunos adultos de poder reconhecer que o que lia no jornal era uma crônica e quais eram as diferenças da notícia. Com o tempo e o acúmulo de leituras, essa experiência de reconhecimento vai se intensificando e ajuda na hora da escrita sem dúvida.
Durante a escrita, surgem aquelas questões: "Mas o que é mesmo que eu tenho que escrever, fessora?" Esse é um momento de replanejar os objetivos... Reler e ver que caminho seguir.

15.6.09

O processo de produção de textos - Flower e Hayes 1

Flower e Hayes investigam o processo cognitivo durante a produção de texto por escritores adultos com formação superior, professores de língua considerados como escritores experientes, e alunos de graduação, considerados como menos experientes. Não tivemos acesso à justificativa para a escolha de escritores com formação superior concluída e em curso, mas deve ter sido porque já terminaram o ensino médio e usam a escrita como meio de comunicação na universidade. A tarefa, ou o problema, foi escrever para uma revista de adolescentes – isso já determina um tipo de linguagem e de texto diferente dos que produzem habitualmente, já que não são jornalistas e estão distantes da adolescência, restando o tema da profissão como o aspecto mais familiar aos escritores. Será que essas características não influenciaram nos resultados?

Achei bastante interessante a constatação empírica de que a escrita não é espontânea, mas um processo cujo objetivo é dar uma resposta a uma questão, ou seja, é uma sequência de atividades que pode ser orientada para atingir o que se propõe.

Foi importante constatar que é o escritor que se coloca o problema: "[...] toda demanda externa é introjetada pelo escritor que 'traduz' a tarefa de escrita em termos que lhe convêm ou interessam" (FORTUNATO, 2009) . Isso deixa para nós, professores, a tarefa de mobilizar o aluno para que se interesse por resolver o problema. O sujeito do discurso é o aluno, sendo assim o que ele escreve deve responder a questões próprias. A definição do problema pelo escritor, portanto, é o foco deste texto. A pesquisa compara os procedimentos que escritores mais experientes e menos experientes seguiram para tomar delimitar o problema.

Entre os elementos observados como objetivos do escritor estão:
  • o leitor, o próprio escritor, o conteúdo semântico e a composição do texto.
  • a relação que o escritor cria com o leitor, a imagem que o escritor quer criar de si mesmo
  • a construção de uma cadeia coerente de ideias
  • as características formais do texto, ligadas ao conhecimento das estruturas enunciativas
Considerando as leituras anteriores que fizemos, as conclusões a que chegaram Flower e Hayes mostram que as características formais do texto vêm em segundo plano, vinculadas à função discursiva e, portanto, ao gênero e ao leitor. A ideia de autor está associada à de leitor, e essa característica é determinante no processo de escrita.

3.6.09

Entrevista com Chartier

Achei uma entrevista com Roger Chartier, feita em 2004 pela jornalista Isabel Lustosa e publicada no site Observatório da Imprensa, da qual destaquei algumas declarações sobre a relação entre internet e leitura. Clique na palavra entrevista para ler a versão completa.

"O computador não é apenas um novo veículo para imagens ou jogos. Ele é responsável também pela multiplicação da presença do escritor nas sociedades contemporâneas. No computador tanto se pode ler os clássicos como publicações acadêmicas e revistas em geral. Podem não ser necessariamente leituras fundamentais, enriquecedoras, mas são leituras."

"É difícil entender a articulação sempre instável entre as novas formas culturais, as novas preferências dos jovens e o que se mantém como uma referência fundamental. O fato de que os textos lidos pelos adolescentes no computador, suas leituras prediletas, não pertençam àquele repertório definido como literário não é necessariamente algo ruim. O problema está numa certa discrepância entre essa nova cultura e os modelos de referência que, a nosso ver, seriam mais consistentes e forneceriam mais recursos para a compreensão do mundo social, a compreensão de si mesmo e a representação do outro."

"É preciso dar aos usuários da internet instrumentos críticos para entender como os textos foram construídos, para avaliar o grau de seriedade de cada local. Não podemos minimizar o significado da ruptura de um mundo onde objetos e textos estão vinculados através de materialidades múltiplas com um mundo em que a mesma superfície iluminada do monitor dá a ler todos os gêneros textuais. A reflexão sobre essas transformações muda a percepção dos textos e de suas diferenças."

"Há uma descontinuidade com a leitura com que estávamos familiarizados e isto implica na transformação da relação fundamental com algo que continua a ser um texto, mesmo que em diferentes formas. A leitura eletrônica é uma leitura da fragmentação, dos extratos de livro, sem que se saiba nada sobre a totalidade da qual se extraiu aquele fragmento, pois o fragmento eletrônico não mantém nenhuma ligação com o texto que garantia o conhecimento da totalidade. O problema é saber se a internet pode superar a tendência à fragmentação."

"O copyright se baseia na idéia de que o texto é uma criação, uma parte do indivíduo, expressão de seus sentimentos, de sua linguagem. A relação entre o texto e a subjetividade, a idéia de que o texto é uma projeção do indivíduo tendo como consequência econômica a propriedade do texto surge a partir da metade do século 18. O problema da circulação textual em forma eletrônica, quando não há formas de se fechar o texto, é que ela criou dificuldades para os direitos de propriedade literária. Cada texto pode ser alterado pelo leitor e enviado pela internet. Essa maleabilidade do texto na forma eletrônica tornou difícil proteger o direito de propriedade literária."

"Foucault apresentou na sua conferência inaugural do Collège de France a idéia de um mundo textual sem apropriações, sem nome, feito de ondas textuais que se sucediam, onde cada um poderia escrever suas palavras em um discurso já existente. Era um paradoxo, porque ele apresentava seu sonho de uma textualidade coletiva, indefinida, a partir da posição mais individualizada, a mais prestigiosa da universidade francesa. De certa forma a internet permite aos autores que realizem esse sonho à medida que deixa o texto aberto às escritas, apropriações e alterações. Mas há aqueles fiéis ao século 18 que reivindicam a propriedade literária e a identidade da autoria."

"A outra grande diferença é que no mundo do texto impresso há uma correspondência entre o tipo de publicação e o tipo de textos que se publica nela. Uma revista não é um jornal, que não é um livro, que não é um documento oficial, que não é uma carta. Há uma hierarquia de objetos que correspondem a uma diferenciação na taxonomia do texto. O computador quebra isso. A partir do momento em que o mesmo aparato, na mesma forma, dá a ler todos os tipos de discursos em termos de gênero, da carta ao livro, ou em termos de autoridade, é mais difícil para o leitor que não está preparado fazer a diferenciação imediata - que está muito mais evidente no material impresso."